sexta-feira, setembro 26, 2008

Derradeira madrugada


Não tinha porque chorar, tudo já estava resolvido dentro do peito. Este ponto de ônibus nesse nada, escuro e no meio de tudo. Porque o mundo está desabado bem aqui na minha cabeça. Mais uma vez, esperando a Kombi que me levará para a estação das barcas, neste ponto de ônibus de cimento, caindo aos pedaços e rodeado por mato com cheiro de queimado.Talvez este cheiro não me deixe nunca mais. Não é só cheiro de mato queimado, sinto também cheiro de pneu queimando misturando-se ao lixo. Aqui algumas pessoas transformam terreno baldio em depósito de lixo, depois ateiam fogo. O cheiro é horrível, mas não sei, acho que sentirei saudades.

Sim, ela é a única pessoa que um dia me entendeu. Aquele sorriso sarcátisco, a mão direita a segurar o cigarro e o olhar de pombagira rindo da minha desgraça. Mas ela entendia, e ria, porque talvez a desgraça dela fosse maior, e quando ela caía em desgraça era um pote cheio de mágoa; me ligava a qualquer hora da madrugada. Nós somos seres da madrugada. A lua sempre nos acolheu .

Esta noite houve a conversa derradeira, acabou. Ao me despedir, antes de cruzar a porta, ela estava com os olhos marejados, então os virou, olhou para o chão e deu uma tragada.

Caminhei pela estrada de terra até o ponto de ônibus. Foi ela quem terminou, disse que estava apaixonada por um cara, um cara mais velho. Sinto uma tristeza profunda, mas ao mesmo tempo um certo alívio, não sei, é tudo muito forte, tanto que cansa.

É como se estivesse voltando da guerra, meu corpo está pesado. Não há ninguém neste ponto de ônibus, apenas uma alma perdida, a minha. O céu, cheio de estrelas, parece que vai me engolir. Hoje é sábado, duas da madrugada, e as pessoas devem estar se divertindo.

Avisto uma kombi ao longe. Ao entrar peço ao motorista que me deixe na estação das barcas. As ruas estão desertas, os subúrbios distantes do Rio de Janeiro estão todos assim. A kombi para. Um grupo de pessoas entra. Estão todos animados, parece que retornam de um baile funk. Conversam alto e riem. Eu lá atrás, sinto-me protegido pela Senhora Madrugada, ela nunca me faltou. Rumo à Copacabana.

3 comentários:

Alexotan disse...

noossaaa!

Alexotan disse...

pode ser, em uma das minhas vidas passadas, eu acredito ter sido uma donzela..rsrs...

Anônimo disse...

BELO PUBLICO ESCRITOR INCOMPREENDIDO. REBELDE BURGUES. "TRABALHADOR". PODERIA ISTO TUDO SER VERDADEE. MAS.....FALTA A VERDADE.