sábado, novembro 24, 2012

4:20

Morrendo à beira deste pequeno precipício interior, a noite se esvai. Não importa o que virá pela frente, quando o sol chegar não mais estarei aqui. Qual foi a ultima coisa que Marco Antônio disse a Cleópatra? Podem dizer o que for, para mim a única coisa que importa é que no fundo eles se amavam. A única coisa que importa já não existe em mim, não consigo mais sentir. Estou aqui sozinho neste conjugado, já não sei quantos dias. Até ontem o telefone ainda tocava bastante. Eles devem estar querendo me demitir. Fiquem à vontade para fazê-lo. Quando eles resolverem tomar uma atitude, já será tarde demais. Esperei o fim pacientemente, tomando minha cervejinha. O calendário maia dizia que seria hoje, mas já passou da meia – noite e até agora nada. Passei todos estes dias aqui trancado esperando o entardecer da humanidade, e no final era tudo mentira. Larguei tudo por isso, por nada, mas no final das contas me sinto bem em ter assumido esta fuga. Os babacas do trabalho foram fundamentais para esta decisão. Não que eu tenha raiva deles. Tinha, mas agora sinto pena. Quando bebo minha cervejinha gelada fico mais emotivo. Na verdade até que me relacionava bem com aquelas pessoas. Eles eram engraçados. As conversas limitavam – se ao jogo de futebol do final de semana anterior, ou a suposta homossexualidade do Siqueira, ou mesmo ao maravilhoso carro importado que acabara de chegar ao mercado, e claro, seria uma grande prova de sucesso circular por aí com o mesmo. De certa forma já estava farto daquele trabalho. Chegar às 8:58 da manhã todos os dias para passar o cartão na catraca, e olhar para aquelas mesmas pessoas falando mal de alguém – nos intervalos de alguma apelação judicial - , estava me fazendo sentir um insustentável impulso ao encontro com a soturna Dama da Noite. Na verdade, aqueles dias teriam sido menos dolorosos, se a vontade de encontrar-me com ela para uma partida decisiva de xadrez tivesse se concretizado. Mas nada mais é concreto, se é que um dia foi. As imagens disformes, o sol queimando pela manhã; me deixando quase cego e com asco do meu próprio corpo – suado -, arrastando-se em direção ao maldito ar condicionado central do ambiente corporativo. Tudo que me roubou a velha chama. O terno, a gravata – e seu nó górdio -, e a diária sensação de que a vida passa à minha frente, mas eu não posso vivê-la. Estou decepcionado, confesso. Pensei que a esta altura da vida ter um emprego estável e um apartamento em Copacabana fosse o suficiente. Até algumas horas atrás pensava sinceramente que a hecatombe viesse me poupar de dar cabo da própria vida. A hecatombe não veio, mas se eles não querem acabar de vez com essa palhaçada, acabo eu. Deixo o copo de cerveja em cima da mesa e a janela aberta para circular o ar e manter o cheiro de maresia que vem de alguns quarteirões desde a praia. Saio somente com uma mochila preta e chinelos nos pés, mas deixo a porta aberta para quem quiser entrar. Encontrará pertences. Objetos apenas, que não mais me pertencem. São 4:20 da madrugada, no primeiro ônibus que partir da rodoviária rumo ao Nordeste, lá estarei eu. Sol na cara! Já sinto o vento livre em direção a algum lugar que me traga sentido, depois do fim do mundo.